A cantora GilmelĂ¢ndia voltou ao cenĂ¡rio musical no inĂcio de junho com o lançamento do seu EP “Tambor de Gil”. O disco traz cinco mĂºsicas inĂ©ditas e uma regravaĂ§Ă£o do hit “Prefixo do VerĂ£o”. Gil, ex-vocalista da Banda Beijo, falou ao Bahia NotĂcias sobre o seu novo trabalho, opinou sobre o momento atual da mĂºsica baiana e falou de sua relaĂ§Ă£o com os outros artistas baianos. “Quando eu cheguei, as pessoas perguntavam quem era essa menina que vinha feito um furacĂ£o com um cocĂ³zinho na cabeça. EntĂ£o eu procurei respeitĂ¡-los, principalmente a Netinho, que sempre me deu oportunidade”, revelou ela sobre o ex-companheiro de Banda Beijo. Leia a entrevista na Ăntegra.
VocĂª estĂ¡ lançando um novo EP, o “Tambor de Gil”. Qual a histĂ³ria desse novo trabalho?
Estou feliz de mostrar o meu lado de compositora para o povo. Porque eu sempre gostei de fazer mĂºsicas, mas nĂ£o lançava no mercado. Eram coisas alternativas. Vou falar logo do “tambor”. Cara de Cobra, que era o percussionista de Ivete, ele agora Ă© o produtor musical, junto com Wilton Mendes. E aĂ, hĂ¡ muito tempo, desde que ele estava com Ivete, ele me encontrava e dizia: “poxa, um dia vou produzir uma coisa sua” e eu respondia: “serĂ¡, Cara de Cobra? VocĂª com esse corre-corre”. AĂ ele saiu de Ivete, quis ser produtor e me chamou. Ele que deu esse nome, “Tambor de Gil”, porque Ă© uma homenagem Ă percussĂ£o da Bahia, o nosso forte, o que balança a massa. AĂ eu comecei a pesquisar mais um pouco sobre nossos ritmos e a fazer muitas matĂ©rias, como as de Carnaval. Visitei o IlĂª, os Filhos de Gandhy, todos esses blocos, pra falar com propriedade quando eu estivesse ali transmitindo as coisas pela Band. EntĂ£o eu descobri muitas coisas. Por exemplo, que o agogĂ´ foi retirado da percussĂ£o da Bahia, assim como outros instrumentos. Como Ă© que se tira o agogĂ´? É extinto? E aĂ foi quando surgiu o meu lado de compositora. Chamei Rubem Tavares, um compositor com vĂ¡rias canções de sucesso, para compor um ijexĂ¡, porque nunca mais ninguĂ©m fez um ijexĂ¡ na Bahia. Ele aceitou e disse para fazer uma coisa bacana, moderna, buscando homenagear a nossa mĂºsica. AtĂ© no toque da guitarra, do teclado, a gente fez uma misturada pra ficar contemporĂ¢neo. E aĂ surgiu essa mĂºsica, que se chama ‘Meu Afro’, que Ă© em homenagem aos blocos afro da Bahia, ao sorriso das negras, ao som. Ela Ă© muito linda.
Mas, nesse disco, vocĂª tambĂ©m traz outros estilos...
Tem muito samba de roda, sons do RecĂ´ncavo que tambĂ©m foram esquecidos. Era engraçado porque a gente fazia as canções em casa, gravava e, automaticamente, jĂ¡ mandava para Cara de Cobra, que, junto com Wilton, jĂ¡ editava e produzia. E aĂ surgiu a mĂºsica “Tambor de Gil”, que Ă© um samba de roda. Outra coisa que eu pesquisei Ă© um ritmo muito bacana da gente que Ă© o groove arrastado. Em todos os estilos do mundo, nĂ³s temos as coisas que sĂ£o maravilhosas, comerciais ou nĂ£o. Umas que tĂªm letras lindas, e outras que nĂ£o. EntĂ£o eu fui atrĂ¡s do groove arrastado da Bahia, que Ă© essa coisa que veio do MĂ¡rcio Victor, junto com o Edcity quando estava no FantasmĂ£o, e aĂ foi quando nĂ³s fizemos uma mĂºsica chamada de “Te Dou”. É a histĂ³ria de um cara de uma comunidade que queria namorar uma menina, bem a histĂ³ria da gente mesmo, do povĂ£o. O problema Ă© que ele sĂ³ quer saber de ostentaĂ§Ă£o, carrĂ£o, e ela quer realmente dar o amor dela pra ele. AĂ fizemos essa canĂ§Ă£o e colocamos no groove arrastado. Colocamos tambĂ©m “Prefixo de VerĂ£o” no ritmo, que Ă© a Ăºnica mĂºsica regravada no EP. E nĂ³s fizemos isso em homenagem Ă galera do groove arrastado. Se vocĂª observar, sobre o que nĂ³s falamos atĂ© agora? Sobre os ritmos da Bahia. Eu acho importantĂssimo. Eu fui lĂ¡, pesquisar. Muitas pessoas me perguntam no Brasil inteiro sobre o que Ă© a nossa mĂºsica. AĂ eu digo que ela tem o comprometimento de entreter. A gente quer entreter as pessoas, Ă© entretenimento, nada mais do que isso. NĂ£o Ă© mĂºsica para a galera sentar e ficar pensando: “pĂ´ cara, a situaĂ§Ă£o do paĂs Ă© essa mesma”. NĂ£o Ă©. A nossa mĂºsica começou dessa maneira, uma mĂºsica para o povo brincar, se divertir. NĂ£o Ă© nada de cabeça. É uma mĂºsica de brincadeira mesmo, que as pessoas vĂ£o cantar e divertir. Pelo menos na Ă©poca que eu peguei era assim, na Ă©poca da Banda Beijo era aquela coisa de “levante a mĂ£o, entre no clima”, aquele axĂ© aerĂ³bico, que a gente falava que era como um balĂ©. Eu achava aquilo muito interessante. AtĂ© hoje eu vou a alguns lugares, onde os artistas nem lĂ¡ estĂ£o indo mais, como no Mato Grosso do Sul, Mato Grosso, mas a nossa mĂºsica continua sendo forte, porque todo mundo gosta de alegria. Quem nĂ£o quer seu momento de diversĂ£o? Uns gostam de beber, outros de dançar, mas mĂºsica Ă© mĂºsica e a alegria Ă© sempre bem vinda. A alegria salva vidas. Eu sempre digo que um sorriso pode salvar alguĂ©m, e a nossa mĂºsica salva mesmo.
"Tambor de Gil", EP de GilmelĂ¢ndia | Foto: ReproduĂ§Ă£o / Instagram
E agora vocĂª tem a mĂºsica "Paz e Amor (It's Gonna Be Good)", que Ă© metade em portuguĂªs, metade em inglĂªs. Por que a escolha dessa mĂºsica?
Na realidade, eu nĂ£o inventei nada. A mĂºsica veio pronta. Tudo que Ă© verdadeiro, todo mundo sente. Ricardo Aleluia e Fausto, que Ă© tĂ©cnico de som da WR, fizeram essa mĂºsica. Ela tem mais ou menos 10 anos e eu nĂ£o sabia disso. Eu sempre quis uma mĂºsica que falasse de amor e esperança, sempre falava com todo mundo que encontrava, mas eu queria ritmo e nunca encontrava, aĂ deixei pra lĂ¡. De repente, essa mĂºsica apareceu. AĂ a gente resolveu chamar Edcity, que Ă© um cara cheio de ritmo. Como eu nĂ£o domino totalmente o inglĂªs, atĂ© pelo fonema, contratei uma pessoa pra me ajudar com isso. Gravei umas cinco vezes pra sair perfeita. Eu quero mesmo, de repente ela pode invadir o mundo e levar uma mensagem de amor. Quando a mĂºsica ficou pronta, eu me apaixonei. Porque ela era verdadeiramente aquilo que eu sempre quis durante muito tempo. Como eu faço mĂ¡gica nos hospitais de criança com cĂ¢ncer, eu sempre ia e fazia festa com show, mas tem crianças que nĂ£o podem sair do leito, e eu ficava triste pensando como visitar essas crianças que nĂ£o podem vir. EntĂ£o fiz um curso de mĂ¡gica, e aĂ eu vou de leito em leito. Faço esse trabalho jĂ¡ hĂ¡ alguns anos, porque eu aprendi que com a mĂ¡gica elas criam esperança. Elas acreditam. Fui pra SĂ£o Paulo, chamei o meu diretor, que Ă© um amigo, um cineasta chamado Piero Sbragia. EntĂ£o eu disse que quero fazer um clipe de mĂ¡gica com essa canĂ§Ă£o. E aĂ ele fez o roteiro e fui lĂ¡ fazer essas mĂ¡gicas no Viaduto do ChĂ¡, em SĂ£o Paulo. Eu peguei rosas e distribuĂ, foi incrĂvel. As pessoas nĂ£o estavam esperando por aquilo. Teve um deles que nem quis a comida, sĂ³ ficava olhando pra rosa, e senti que as pessoas, verdadeiramente, ainda gostam do amor. Digo que essa mĂºsica Ă© um presente dentro do EP.
Em toda a sua trajetĂ³ria, nesses 17 anos de carreira, qual foi o maior aprendizado?
Uma coisa que eu comento muito com as pessoas, Ă© que eu nunca tive vontade, nem sonho, de ser cantora, famosa. Eu cantava no quintal da minha casa, uma vizinha ouviu, um rapaz estava precisando de uma cantora, e aĂ eu fiquei 10 anos dentro do bar cantando. Quando eu entrei na Banda Beijo, eu era aquela menina de “cocĂ³”, engraçada. Eu nĂ£o queria saber de nada, eu sĂ³ queria saber de brincar. Tudo meu era aquela bagunça, aquela gritaria. Todo mundo fazia uma coisa, eu fazia o oposto. Quando eu chegava nas redes de comunicaĂ§Ă£o, todo mundo dizia “lĂ¡ vem a maluquinha”. O que eu acho que mudou em mim, daquele tempo pra cĂ¡, e que eu gostei, Ă© que como eu convivi com gente, entrei por vĂ¡rios lugares, eu comecei a perceber o que Ă© que gente precisa. Que gente precisa de alegria, precisa de palavras de amor, de conforto, de aprendizado e esperança. EntĂ£o eu peguei tudo que eu aprendi com minha mĂ£e e com meu mestre, que eu digo que Jesus Cristo Ă© o meu mestre, e disse: “a partir de agora, eu posso atĂ© levar a alegria pras pessoas, mas eu quero usar esses meios para ser usada”, entende? Para dar uma paz interior. Para nĂ£o dar sĂ³ uma alegria que Ă© passageira. Eu quero dar essa alegria. Mas eu quero que no outro dia eu tenha feito uma mudança na sua vida. Isso que eu acho que mudei, e que foi bom pra mim. Hoje eu estava atĂ© pensando sobre isso. O melhor nĂ£o foi prĂªmio, nĂ£o foi fama. Foi isso. Eu ganhei um amadurecimento e, o mais importante, eu nĂ£o quero nada em troca. Eu sĂ³ quero fazer a diferença na vida de alguĂ©m pra ela se tornar melhor.
EP serĂ¡ lançado no prĂ³ximo dia 21 | Foto: Luana Ribeiro / Bahia NotĂcias
No dia 21, vocĂª vai fazer o lançamento do seu EP no Teatro Eva Hertz. O que estĂ¡ preparando para o dia?
Eu vou cantar as mĂºsicas do EP, vou levar as pessoas que gostam, que me amam e querem ver o meu EP, fazer um showzinho pra eles, uma coisa bem Ăntima mesmo. As pessoas sempre me perguntam o que eu espero e eu nĂ£o sei. Eu espero o que a vida vai me dar. A vida estĂ¡ aĂ, eu tenho meu presente, que Ă© minha mĂºsica, minha alegria, as coisas que eu aprendi durante esse tempo todo, que foi uma caminhada onde eu plantei. Quero ensinar o que eu puder a partir da minha experiĂªncia de vida. O bom Ă© que eu estou ali cantando. JĂ¡ me perguntaram, “Gil, qual a diferença entre quando vocĂª estava na Banda Beijo, no bar e em carreira solo?”. Para mim? Nenhuma. SĂ³ mudou o nĂºmero de pessoas e visualizações. Porque hoje muitas pessoas me veem. No bar era aquele pouquinho. Hoje, as pessoas me conhecem na cidade, no paĂs e em alguns lugares do mundo. Eu quero que as coisas venham pra mim, se for para me melhorar como ser humano. Se vier qualquer coisa no mundo que for mexer um pouquinho do que eu aprendi como ser humano, eu nĂ£o quero. Minha oraĂ§Ă£o Ă© assim. Quando eu chego em qualquer lugar eu sempre levo minha turma. Eu falo em nome de todos os artistas da Bahia e agradeço por tudo, porque nĂ³s somos um movimento. NĂ³s nĂ£o somos sozinhos. NinguĂ©m vai pra frente assim.
Na capa da revista “Alvo dos Famosos”, vocĂª disse que o Carnaval precisa de regras. De que tipo de regras vocĂª estĂ¡ falando?
É uma indĂºstria. Falta muita coisa. Em primeiro lugar... HĂ¡ muito tempo, o povo dizia que o nosso paĂs Ă© a casa da mĂ£e Joana, todo mundo chega aqui e faz o que quer. Eu penso isso da nossa terra um pouco. Se vocĂª vai pro Amazonas, e eu estou dizendo isso nĂ£o para ofender, mas para melhorar. EntĂ£o, chegando lĂ¡, tem os dois bois e tem o BumbĂ³dromo, onde as pessoas desfilam com a camisa que seria o abadĂ¡. Se vocĂª chegar lĂ¡, com o boi amarelo, vocĂª entra? NĂ£o entra jamais. NĂ£o entra. LĂ¡, o boi Ă© vermelho ou azul. Isso Ă© cultura. É a cultura daquele povo. Falando daqui, somos uma festa democrĂ¡tica? Somos. Mas calma, peraĂ, freio aĂ. VocĂª nĂ£o pode tirar os artistas da terra, os blocos desses artistas pra colocar pessoas de fora. Porque um povo que nĂ£o ama sua cultura, nĂ£o a preserva, derruba a Ă¡rvore e nĂ£o planta outra, o que acontece com esse povo? Ele morre. É sem vida. Se vocĂª nĂ£o ama o que Ă© seu, morre. O que eu estou achando da nossa mĂºsica e do nosso carnaval Ă© isso. Por exemplo, vocĂª passou com seu trio, vocĂª Ă© um artista, vocĂª tem que respeitar quem estĂ¡ lĂ¡ trĂ¡s. VocĂª nĂ£o pode chegar e ficar batendo papo. AtĂ© os artistas de fora que vem pra cĂ¡. Quem tĂ¡ falando isso nĂ£o Ă© GilmelĂ¢ndia, Ă© o turista que vem pra cĂ¡. Porque eu rodei tudo fazendo entrevista. JĂ¡ vi turista chegar pra mim e dizer: “poxa, Gil, vem forrĂ³, vem eletrĂ´nica, vem samba, e sĂ³ depois vem Timbalada”. NĂ£o pode. O cara veio pra cĂ¡ ver a gente, nosso ritmo. Se tem um forrĂ³, um techno, tem que ser participaĂ§Ă£o com a gente, que nem em Pernambuco. Tire um trio de frevo e coloque um de axĂ© no carnaval de Recife. Estou falando isso porque eu fui atrĂ¡s dessas pessoas, eu conversei com o pessoal do Galo da Madrugada, com os coordenadores, nas minhas matĂ©rias pela Record. Vi de perto.
VocĂª acredita que uma lei, como a criada pelos forrozeiros para valorizar os artistas locais no SĂ£o JoĂ£o, funcionaria para o Carnaval de Salvador?
Sim, com toda certeza. Primeiro lugar, eu nĂ£o estou aqui pra ofender ninguĂ©m. Mesmo que eu fique fora no Carnaval, meu intuito Ă© ver as pessoas falando bem da minha terra, da cultura da minha terra. EntĂ£o, primeiro lugar: se vocĂª tem um bloco, vocĂª nĂ£o pode administrar esse Carnaval. Tem que vir de fora, alguma coisa diferente. NĂ£o vai vestir camisa de ninguĂ©m. Tem que ser profissionalmente, o que Ă© correto. AĂ fica essa bagunça danada, os blocos afros tambĂ©m nĂ£o tĂªm seu espaço. Isso Ă© nossa histĂ³ria. NĂ£o pense que o turista nĂ£o vem pra cĂ¡ ver os Filhos de Gandhy, o IlĂª. Tem gente que vem pra cĂ¡ estudar nossa percussĂ£o, nosso ritmo. Pagam caro pra isso. Imagine? Se o cara vem pra cĂ¡ fazer uma pesquisa, ele chega aqui e cadĂª aquilo tudo que ele veio ver? NĂ£o tem mais. Isso Ă© uma coisa que tem que se pensar. Tem que botar ordem na casa, estĂ¡ desorganizado.
Cantora acredita em reformulaĂ§Ă£o do Carnaval | Foto: Luana Ribeiro / Bahia NotĂcias
Atualmente, o conselho que comanda o Carnaval Ă© composto por pessoas que tem diversos negĂ³cios relacionados ao carnaval. VocĂª acredita, entĂ£o, que mudar esse fator Ă© a chave?
NĂ£o dĂ¡, isso nĂ£o existe. Tem que ser uma coisa de fora, nada a ver. NĂ£o Ă© Ă©tico vocĂª ter um bloco, um camarote, ou sei lĂ¡ qualquer coisa relacionada ao carnaval e estar dentro do conselho, da organizaĂ§Ă£o. De jeito nenhum. Claro que vocĂª sabe que nenhum lugar Ă© totalmente certinho. Mas, pelo menos, nĂ£o ficaria o que estĂ¡ aĂ. Eu acho um absurdo. Por exemplo, fui para SĂ£o Paulo agora, para uma casa chamada Villa Mix. A organizaĂ§Ă£o toda Ă© deles, dentro do sertanejo deles. VocĂª lembra que a nossa mĂºsica, a gente cantava e as pessoas faziam um balĂ©? Eu cheguei lĂ¡ e eles estavam fazendo isso. O que a gente fazia. NĂ£o existe mais aqui. Outra coisa que eu queria falar, que Ă© muito importante. Outro dia fui ali num show de Ninha, comemorando 70 anos de Cantina da Lua. 70 anos de tradiĂ§Ă£o. Como Ă© que nĂ£o existe ajuda pra Cantina da Lua? O turista vem pra cĂ¡, a primeira coisa que ele pergunta Ă© onde pode curtir um axĂ© e vocĂª tem que dizer que ele nĂ£o curte. Eu estou te falando isso tudo, porque tem um paĂs inteiro cobrando isso que eu estou falando aqui. NĂ£o sei como funciona porque politicamente nĂ£o tenho essa sabedoria, mas porque nĂ£o juntam empresas, hotĂ©is, governo, prefeitura e colocam Ninha, eu, MĂ¡rcia Freire, Carla Visi, Olodum, IlĂª, Daniela, Ivete, Claudinha, Bell, todo mundo tocando todos os dias em um lugar? Por que nĂ£o? Eu fui para Fortaleza e fiquei impressionada. Tem um lugar lĂ¡ que todos os dias tem show de humor. Por que vocĂª sabe que lĂ¡ Ă© a terra do humor? Porque eles vendem e abraçam isso.
Em que momento vocĂª acha que a gente se perdeu nessa defesa da nossa cultura para abraçar outras coisas?
Eu acho que isso tem a ver com tudo. PolĂtica, tudo. NĂ£o estou falando sĂ³ na mĂºsica nĂ£o. Em uma cidade, em um estado, que o povo vem em busca da terra da alegria e cadĂª? CadĂª a “terra do axĂ©”? Isso aĂ Ă© uma parceria do governo, da prefeitura, com algumas empresas para fazer que essa terra fique melhor do que jĂ¡ foi um dia. Eu gosto muito de artes plĂ¡sticas, tenho vĂ¡rias obras de arte na minha casa, e tambĂ©m acontece nessa Ă¡rea. Por que a gente vai ficar restrito e nĂ£o dar oportunidades a outros artistas plĂ¡sticos que estĂ£o por aĂ, ganhando R$ 50 por sua obra? Por que a gente nĂ£o vai ter outro CarybĂ©? SerĂ¡ que nĂ£o vai ter uma força para essas pessoas que estĂ£o passando fome? Eu digo porque visito um a um e eles sentam comigo e tĂªm uma histĂ³ria de vida para contar. Artista passando fome, gente. NĂ£o estou sĂ³ falando da mĂºsica nĂ£o. Nunca se fez um musical aqui em Salvador com produtores daqui, fantĂ¡sticos, da nossa terra. Por que nĂ£o fazem um musical com a nossa cultura, patrocinado por uma grande empresa? Para vocĂª que estĂ¡ lendo, estou fazendo a pergunta daquilo que todos me perguntam. Quando vĂªm meus amigos de fora, ficam doidos para tirar foto no Pelourinho, no Mercado Modelo, e a gente fica orgulhoso de levar. E, de todas as matĂ©rias que eu fiz pelo Nordeste, aqui foi o lugar que eu sentei e chorei mesmo, porque tem que reformular, pensar no que vai fazer. Se a gente continuar do jeito que estĂ¡, nĂ£o tem “terra da alegria”, nem Carnaval, nem cartĂ£o postal teremos.
Muitas pessoas falam que, por ter um Carnaval com mais blocos de rua, o Rio de Janeiro vai começar a levar o pĂºblico e os artistas daqui...
Aqui Ă© a porta de entrada. Eu vou para lĂ¡ cantar, porque precisa repensar, mas Ă© aqui que a gente tem que ficar. Por crise, todo mundo passa. Imagine se todo brasileiro que tivesse um problema fosse embora? A gente tem que ficar, Ă© uma questĂ£o de uniĂ£o. Vamos ficar todo mundo aqui, procurar patrocinador, porque eu nĂ£o acho que enfraquece. NĂ£o Ă© sĂ³ um grupinho de seis, tem que ser todo mundo junto. Porque tem empresa para apoiar a cultura, mas tem que querer, ter uma frente de batalha. E vou lhe dizer, tem que falar sem revolta. Eu tenho outra histĂ³ria, tenho minha mĂºsica, tenho minha vida feita. A Ăºnica coisa que me dĂ¡ tristeza Ă© quando vejo minha terra assim. NĂ³s somos uma potĂªncia mundial. Quando eu era uma menina, ia para a Terça da BĂªnĂ§Ă£o lĂ¡ no Pelourinho e nĂ£o cabia gente. Eu me lembro que, uma vez, estava todo mundo descendo a ladeira e parecia enxurrada de gente que tinha.
Gil acredita em uniĂ£o dos artistas | Foto: Luana Ribeiro / Bahia NotĂcias
E esse movimento de Furdunço, ou do Carnaval para a pipoca que levou milhares de pessoas ao Pelourinho no Carnaval, pode ser considerado um inĂcio?
Claro, tem pĂºblico para tudo. É um pouquinho para cada, tudo estĂ¡ certo. O que estĂ¡ errado Ă© que a gente tem que se unir, organizar, deixar o ego e a vaidade de lado para salvar esse negĂ³cio.
VocĂª tem uma preferĂªncia por esse seu outro lado de apresentadora, de mostar lugares e contar histĂ³rias?
Meus fĂ£s piram quando eu falo isso, mas essa Ă© a minha grande paixĂ£o. Eu amo a mĂºsica, foi um presente que Deus me deu, um dom, mas apresentar foi uma coisa que eu descobri. Isso, para mim, foi fantĂ¡stico. Quando eu vou entrevistar, eu amo, descubro cada coisa e isso Ă© fascinante. As pessoas me perguntam por que eu nĂ£o faço um projeto para voltar para a televisĂ£o e eu digo que eu tenho a minha preparaĂ§Ă£o. Eu me preparo todos os dias porque o bom profissional Ă© assim, jĂ¡ que o mundo estĂ¡ sempre mudando e a gente nĂ£o pode parar. Estou esperando o momento certo, a hora certa, e se vier, Ă© para o bem, para me melhorar como pessoa. Se nĂ£o, que fique lĂ¡. É massa, foi muito bom tudo o que eu fiz e faço atĂ© hoje. Se me chamam para fazer uma matĂ©ria, eu faço com muito prazer.
De 1998 atĂ© 2002, vocĂª estava na Banda Beijo. Depois desse sucesso todo, vieram vĂ¡rios outros projetos, mas nĂ£o houve aquele “boom”. Por que vocĂª acha que isso aconteceu?
O mercado mudou, nĂ£o Ă© mais o mesmo. Gravadora, mesmo, nĂ£o vende mais CD como antigamente. A primeira tiragem minha foi de quase quinhentas mil cĂ³pias e depois a coisa começou a mudar. Tem que ser valente, nĂ£o desistir. É como um amigo meu disse: vĂ¡ fazendo coisas, sĂ£o suas, Ă© a sua histĂ³ria. Estou fazendo. JĂ¡ tenho muito tempo sem uma gravadora, agora estamos vendo para ver se rola de fazer um DVD. Se nĂ£o, a gente vai correr atrĂ¡s de outra coisa, de uma empresa para patrocinar, porque eu tenho muita histĂ³ria para contar e os meus fĂ£s pedem muito. O mercado estava muito difĂcil quando eu comecei a minha carreira solo. Lembro que havia muita pirataria, que era terrĂvel, e a gente no meio daquele tumulto. Mas aĂ, depois da tempestade vem a bonança, que foi o meu lado de apresentadora e que me colocou na frente e hoje sou apaixonada. Na vida, Ă© assim, um passinho de cada vez. NĂ£o pode Ă© ficar desesperado, senĂ£o fica com rugas demais, com cabelo branco logo. Se avexe nĂ£o, que amanhĂ£ pode acontecer tudo, inclusive nada.
Na sua passagem pela Banda Beijo, havia uma ligaĂ§Ă£o muito forte com Netinho, inclusive teve aquele beijo bem emblemĂ¡tico... Ele passou um tempo internado recentemente. Como anda a sua relaĂ§Ă£o com ele?
Ele que me beijou, viu, gente? Olha, nunca houve problema com Netinho ou com nenhum outro artista. Imagine, quando eu cheguei, as pessoas perguntavam quem era essa menina que vinha feito um furacĂ£o com um cocĂ³zinho na cabeça. EntĂ£o eu procurei respeitĂ¡-los, principalmente a Netinho, que sempre me deu oportunidade. A gente nĂ£o era amigĂ£o do peito de estar um na casa do outro, mas ele me admirava muito e eu era fĂ£ dele. A minha separaĂ§Ă£o com ele foi porque ele saiu da sociedade com Misael [Tavares] e, quando ele foi, eu fui tambĂ©m porque meu empresĂ¡rio queria outras coisas. Ele me pediu isso, disse que precisava ir e queria viver outras coisas. Nos afastamos um pouco e começamos a falar mais por telefone, quando nos encontrĂ¡vamos em festas, mas quando ele teve a doença, procurei a produtora dele e ela disse que era histĂ³ria, que nĂ£o era verdade. Ele nĂ£o queria que ninguĂ©m fosse ver e eu respeito. Minha mĂ£e teve um AVC, estĂ¡ acamada, e eu respeito o momento. Amo ele, ele me ama, a gente nĂ£o teve briga nunca. Minha histĂ³ria toda foi com Misael, porque ele queria polĂtica, filhos e nĂ£o queria administrar mais a carreira de ninguĂ©m. Mas ele nĂ£o me colocou em outra empresa, foi deixando ali, aĂ eu fiquei sem gravadora. Como eu sou cantora, nĂ£o empresĂ¡ria, entĂ£o nĂ£o Ă© a minha praia. Eu respeito e sofri muito quando ele ficou assim porque Ă© uma pessoa muito esforçada. A gente nunca foi de ser famĂlia, de ficar um na casa do outro. Ele tinha uma festa, eu ia, ele ia para algumas coisas de minha mĂ£e, mas era mais profissional mesmo. NĂ£o quero jamais uma mĂ¡cula, que tenha dor, fico quieta.
E vocĂª tem alguma relaĂ§Ă£o com o pessoal que estĂ¡ agora com a Banda Beijo?
Eu conheço o menino, o Guga [Fernandes], que estĂ¡ cantando agora. Conheço de ouvir cantar e torço muito por eles. Isso aqui da gente nĂ£o Ă© um sĂ³, Ă© um movimento. Se um estĂ¡ forte, o outro tambĂ©m fica forte. LĂ¡ fora, por mais que eles digam que Ă© axĂ©, tem o groove arrastado, tem o arrocha... É tudo que vem da Bahia. Mas nessa coisa de samba-reggae, do galope, ninguĂ©m veio cada um com uma mĂºsica para concorrer. Ă€s vezes vocĂª chega na rĂ¡dio e dizem que nĂ£o tem mais espaço porque estĂ¡ completo. Muito produto, atĂ© depois desses realities, produtos novos surgindo o tempo todo. AtĂ© os contratantes. Esse paĂs Ă© muito rico de talento, mas torço por tudo e por todos, e torço pelo meu paĂs. Todo mundo da mesma espĂ©cie, a gente Ă© irmĂ£.
Gil, foi publicado em alguns veĂculos que vocĂª estaria adotando uma criança. Isso Ă© verdade?
É um sonho antigo. Tenho muita vontade. Existe uma criança, no Amazonas, que eu conheço e tenho muita vontade de adotĂ¡-la, mas nĂ£o existe nada concretizado. É um sonho para o futuro.