O Ministério do Meio Ambiente (MMA) prepara uma série de novos
decretos e portarias para detalhar as funções de cada agente no processo
de destinação adequada do lixo. A ação deve aumentar a cobrança em cima
do sistema de logística reversa brasileira, já cercado de críticas, por
resultados de reciclagem efetivos, e a pressão sobre os responsáveis
pelo cumprimento de metas vai subir.
Segundo matéria da Folha de São Paulo, desde a aprovação da Política
Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS), em 2010, existe no país a obrigação
de que fabricantes, importadores, distribuidores e comerciantes de
diversos setores destinem adequadamente o lixo que a sociedade descarta
depois de usar seus produtos. O debate, porém, persiste: de quem é a
responsabilidade pela destinação ambientalmente adequada de um resíduo
quando o consumidor compra uma embalagem descartável de xampu, descarta o
celular de modelo antigo ou troca um pneu velho de seu carro?
“Não é só o dono da marca [do produto] que tem de cumprir meta de
reciclagem. Quem fabrica a embalagem, quem envaza, quem vende, todos têm
metas, que não são voluntárias”, diz o secretário nacional de Meio
Ambiente Urbano, Adalberto Maluf.
Para Maluf, a ideia é organizar os dados, coibir fraudes e
identificar maquiagens de números. “Muitas vezes, nem o CEO da empresa
sabe [se sua meta de logística reversa está sendo cumprida]. Então,
vamos colocar decreto para tudo. Vamos levantar a régua. Todo mundo vai
ter que fazer”, ele diz.
“A lei brasileira fala de responsabilidade compartilhada entre
fabricante, importador, distribuidor e comerciante. Os decretos vão
explicar com clareza. No modelo europeu, está consagrada a
responsabilidade estendida do produtor (REP), que é o dono da marca.
Mas, no Brasil, essa responsabilidade é compartilhada até com o
consumidor, que precisa levar o resíduo até o ponto de coleta”,
complementa.
Na avaliação do secretário, ainda é preciso melhorar os critérios dos
relatórios de resultados produzidos pelas chamadas entidades gestoras,
que representam as companhias na implementação da logística reversa,
consolidam e divulgam os números da reciclagem de cada setor. Maluf
aponta que existem casos de entidades gestoras que declaram um
determinado resultado de recuperação de resíduos para o ministério, mas
apresentam dados discrepantes para o mercado. Ele afirma já ter feito
parcerias com o Ministério Público e com a Receita Federal e está
concluindo acordos com as Receitas estaduais para cruzar dados de
prestação de contas dos volumes de produtos vendidos com o total de
resíduo recuperado.
Para além das novas medidas do ministério, o mercado terá de se
adaptar à virada da meta de recuperação de embalagens prevista no
Planares (Plano Nacional de Resíduos Sólidos), instituído por decreto em
2022. Neste ano, a meta obrigatória para a recuperação de embalagens
pós-consumo salta de 22% para 30%, o que deve acelerar o aperfeiçoamento
do sistema de logística reversa no país, segundo o advogado Fabricio
Soler, da consultoria S2F Partners, especializada em resíduos.
“Será um ano importante para mensurar resultados, entender desafios e
dar um direcionamento para reforçar os investimentos de estruturação da
cadeia. Acredito que nos permitirá entender com mais clareza qual é o
tamanho da reciclagem de embalagens no Brasil, os materiais que têm sido
recuperados, as regiões com melhores índices e os próprios desafios,
por exemplo, que levam a coletas menores em alguns estados”, afirma
Soler.
Para Carlos Silva Filho, presidente da International Solid Waste
Association (ISWA), os números estão muito distantes do potencial de
riqueza que o país pode gerar a partir de seu lixo.
“Até 2022, não tinha meta clara, e tudo era negociado em cada acordo.
A partir do Planares, tem meta, e a primeira é em 2024. Só que o país
continua com um universo limitado de empresas que o cumprem”, diz Filho.
Para ele, o chamado “greenwashing” [falsas alegações sobre
sustentabilidade e circularidade] superestimam os resultados. Tendo em
vista a discrepância entre os valores de logística reversa homologados
pelo Ministério do Meio Ambiente e os números exibidos em muitos dos
relatórios apresentados por empresas ao mercado.
“Se o Brasil gera aproximadamente 80 milhões de toneladas de resíduos
sólidos urbanos por ano, e um terço disso são fração seca, como papel,
papelão, plásticos e alumínio, o nosso potencial de aproveitamento
desses resíduos seria 25 milhões de toneladas. Em dois anos, só foram
certificados 2 milhões de toneladas, ou seja, muita gente não está
fazendo nada nesse processo”, diz Silva Filho.
Logística Reversa
A logística reversa é prevista, genericamente, na PNRS de 2010, onde é
apontado que a mesma deve ser implementada pelos fabricantes,
importadores, distribuidores e comerciantes, mas o detalhamento da
implementação ao longo dos anos, nas principais indústrias, foi feito
por meio negocial, ou seja, em contratos assinados por acordos setoriais
e termos de compromissos. Tais instrumentos detalham forma de
financiamento, obrigações de cada elo da cadeia de fornecimento, forma
de participação dos consumidores e metas.
Na prática, abrange um conjunto de medidas como a instalação de
pontos de entrega voluntária (PEVs), a estruturação de cooperativas com
centrais de triagem mecanizadas ou manuais, e outras iniciativas que
incentivem o retorno do produto após o uso para as fábricas ou seu
encaminhamento para a reciclagem. Para funcionar, porém, o processo
exige o encadeamento das atribuições de diversos agentes, ou seja, o
consumidor devolve uma embalagem de medicamento ao comerciante, e o
distribuidor vai enviar ao fabricante ou importador, que dará a
destinação adequada ao resíduo.
Para
Adalberto Maluf, a assinatura de acordos setoriais e termos de
compromisso foi útil no passado, enquanto os decretos são mais adequados
ao momento atual.
“Lá em 2015 [quando foi assinado um grande acordo setorial da
logística reversa que regulamenta o fluxo das embalagens], o setor
privado não tinha maturidade. Em 2020, dez anos depois da PNRS, esses
acordos se tornaram frágeis porque, se as empresas não cumprem, não tem
como responsabilizá-las. Acordo setorial foi importante para dar
maturidade à logística reversa, mas agora nós fizemos as nossas contas e
vamos fazer decretos por tipo de material”, afirma.