ENTREVISTA
Pedro Nobre, o cientista do sexo: “Hoje há menos sexo entre casais e mais sexo solitário”
Javier Martín del Barrio
Corresponsal en Lisboa
Por que nos excita o que nos excita? As mulheres e os homens se excitam de forma diferente? Estamos mais ou menos abertos do que nossos avós? De seu laboratório na Universidade do Porto, este médico em Psicologia Clínica e presidente da Associação Mundial de Saúde Sexual observa a reação humana a estímulos erógenos. E suas conclusões também nos ajudam a entender como somos: "Diversidade sexual", diz Nobre, "não pode e ser considerada uma patologia ".
DUAS PESSOAS fazem sexo freneticamente na tela do voluntário Paulo. Sob um discreto pano, seu pênis está ligado a um sensor; câmeras térmicas medem a temperatura de seus órgãos e outras câmeras visuais registram para onde se dirigem os olhos dele. Do outro lado da divisória, diante de telas, Inês e Raquel observam em tempo real a evolução gráfica da resposta sexual aos diferentes estímulos que Paulo recebe. Ele é um dos voluntários, uma das cobaias humanas do SexLab da Universidade do Porto, em Portugal, o laboratório de pesquisa em sexualidade que se dedica a estudar a resposta fisiológica genital no homem e na mulher. O português Pedro Nobre (Moçambique, 1970), doutor em Psicologia Clínica pela Universidade de Coimbra, é o criador e diretor do SexLab desde 2008 e também diretor do primeiro doutorado em sexualidade na Europa. Editor associado do Journal of Sexual Medicine, Nobre preside a Associação Mundial para a Saúde Sexual(WAS, na sigla em inglês). Fundada em 1978, agrupa 110 associações dedicadas a trabalhar pela saúde e os direitos sexuais das pessoas em qualquer canto do mundo, de qualquer crença ou condição.
Homens e mulheres reagem de modo diferente?
O homem normalmente só responde aos estímulos sexuais de sua preferência: ou seja, se é gay, reage a imagens de relações entre homossexuais, mas não às de heterossexuais, e vice-versa. A grande maioria das mulheres tem resposta sexual fisiológica ante estímulos bem diversos, embora não tenham a ver com sua preferência. A reação fisiológica independe de sua preferência sexual. Se for hétero, imagens de relações lésbicas ou entre homens homossexuais lhe provocam a mesma reação que a de sua preferência sexual.
E então?
As interpretações são variadas, mas a hipótese mais recorrente é que a mulher está preparada para responder sexualmente em termos fisiológicos a estímulos que não têm nada a ver com suas preferências. Seria um mecanismo de adaptação, ou de autoproteção. Com uma perspectiva evolucionista, a mulher está preparada para experiências traumáticas. Ou seja, tem a capacidade de lubrificação até em experiências involuntárias. A pesquisa laboratorial foi confirmada com os próprios relatos das mulheres. Não sentem prazer, não há resposta emocional, mas fisiológica.
Isso pode ser um segundo castigo para a mulher estuprada?
Sim, porque com frequência são tomadas por um sentimento de autoculpabilização. Apesar de hoje em dia se falar muito de sexo, persistem mitos enormes, e este é um deles. Não somos os que melhor podem nos avaliar em sexo. Geralmente, os que se subestimam hoje são os que se superestimaram ontem. É uma característica comum do macho, seja hétero ou gay, cujas carências estão relacionadas com a ideia de estar sempre dispostos, e com falhas zero. A disfunção eréctil, que é normal nos ocorrer várias vezes em períodos ao longo da vida, seja por estresse, cansaço, desgostos ou problemas médicos, é interpretada por esses homens como o fim do mundo. Caem em um precipício não só como homens, mas como pessoas. Há estudos que mostram uma relação ente disfunção erétil e desemprego. É como se sua incompetência sexual se estendesse à incompetência em todas as facetas da vida.
Se Bill Cosby e Harvey Weinsten fossem considerados perturbados mentais, por exemplo, iriam para uma clínica e não para uma prisão...
O que não é consentimento é delito. Esta moda norte-americana das clínicas de dependência de sexo, que começa a chegar à Europa, é pela necessidade de preservar suas relações familiares, e para isso tratam o desejo sexual como se fosse uma patologia. O risco em médio-longo prazo é que repudiemos pessoas sexualmente satisfeitas. Há cada vez mais casais que decidem não praticar a monogamia. Isso implica consentimento, é parte dessa diversidade, cada dia maior, que a Associação Mundial para a Saúde Sexual tenta estimular. Não devemos demonizar o sexo com tratamentos que restringem desejos sexuais perfeitamente legítimos. Essas clínicas são uma moda crescente nos Estados Unidos e vão levar a problemas de autoinculpação e patológicos. Mas praticar o sexo sem o consentimento do outro é, antes de tudo, um delito.
O século XXI vai ser o do terceiro sexo?
Nem o sexo nasceu ontem nem toda a diversidade no século XXI. O transgênero e a transsexualidade, coisas diferentes, sempre existiram. Não é uma moda, o que está na moda é falar disso. É importante que não seja tratado como uma patologia, embora ambos continuem incluídos no Manual de Transtornos Mentais. Há uma polêmica entre profissionais que é mais administrativa do que médica. Em países com seguros médicos, o paciente é atendido se tem um diagnóstico. Sem diagnóstico, o seguro não cobre os gastos. Se o transgênero é considerado uma doença, o seguro, a Previdência Social, cobre o tratamento, do contrário, não. Há muita discussão entre os profissionais de saúde e os grupos transexuais sobre como construir o melhor dos dois mundos. Na associação que presido propusemos à Organização Mundial da Saúde que a transsexualidade saia do capítulo de doenças mentais e passe a um capítulo, mais neutro, chamado de “Condições Relacionadas com a Saúde Sexual”. A saúde é mais ampla que a doença.
Serão normalizados os banheiros públicos para três sexos?
A comunidade científica está de acordo em aceitar o terceiro sexo como outra variante da diversidade sexual. Mas no caso dos banheiros públicos, eu sou mais favorável à inclusão. Por que não unissex?
Nunca se falou tanto e tão abertamente de sexo, nunca se viu tanto sexo na televisão e na rua. No entanto, há estatísticas que dizem que os casais de hoje têm menos relações sexuais que os de gerações anteriores. Como se explica?
Se falamos de nosso entorno, dos países desenvolvidos, parece que é assim. Há menos sexo hoje entre os casais e, ao mesmo tempo, há maismasturbação, o que é muito interessante. Uma explicação é o tempo ou a falta dele: o tempo é fator fundamental no sexo. Outro fator é a tecnologia. Nós nos falamos por WhatsApp ou Twitter. A sexualidade é algo mais global que o sexo, é comunicação. No mundo há menos comunicação pessoal e, portanto, mais sexo solitário. É mais fácil, mais rápido. E um mau sinal para a humanidade, pois o sexo é comunicação, proximidade, contato físico.
É difícil pensar no sexo de nossos avós. Faziam o mesmo que nós?
Não há muitos estudos de seus hábitos. O primeiro é dos anos quarenta, do zoólogo Alfred Kinsey, que passou de pesquisas com vespas para a da sexualidade das pessoas. O surpreendente foi como mostrou que aquilo que considerávamos estranho não era tanto assim, como a homossexualidade e a sexualidade feminina. Havia diversidade, embora hoje haja mais. O sexo anal sempre existiu, mas hoje sua prática é maior.
Resisto a olhar para a foto de meus avós com esses olhos. Os estudos longitudinais no tempo mostram que hoje a atividade sexual se alonga muito mais. É muito normal que se mantenha além dos 70 anos, até dos 80, e sobretudo nas mulheres, se compararmos com 30 anos atrás. Isto sim é uma singularidade em relação aos nossos avós.
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