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Kannário é o único cantor do Brasil que se comunica com periferia, avalia compositor
Foto: Reprodução / Instagram
Igor Kannário lançou, na última sexta-feira (25), um novo CD com dezenove músicas inéditas, além dos já conhecidos hits ‘Tudo Nosso, Nada Deles’ e ‘É Nós de novo’ (Leia mais aqui). Dentre as novas canções, a música ‘Xeque Mate’ vem chamando a atenção nas redes sociais por conta de sua forte letra.
 
Composta pelo carioca Edu Krieger, a música conta a história de uma jovem que engravidou e não desejava dar prosseguimento à gestação. Durante a tentativa de aborto, a polícia invade a clínica clandestina em que a garota iria realizar o procedimento e ela acaba sendo criticada por todos e julgada pela atitude. Nascido, então, o filho sofria rejeição da mãe e vivia ‘solto’ na favela. Aos 14 anos, o garoto entra para o mundo do crime, se envolvendo com o tráfico de drogas e falecendo em uma troca de tiros com a polícia.

Nesse meio termo, a música trata de outros assuntos polêmicos como a morte a inocentes por policiais, eleição de políticos religiosos, programas televisivos de apelo popular e maioridade penal. Em conversa com o Bahia Notícias, Krieger explicou sua intenção ao escrever a canção. “Eu postei essa música no meu canal do Youtube em julho desse ano. A repercussão foi muito grande porque ela aborda vários temas em pauta atualmente, como o aborto, o direito das mulheres fazerem o que querem com o próprio corpo, o tráfico de drogas. Fala também da bancada parlamentar religiosa e da influência que ela exerce na política... Eu quis juntar numa mesma canção vários temas do debate público, para contribuir com a ampliação do debate, através da canção ajudar na discussão”, contou ele.

 
Edu Krieger tem dois CDs lançados, um em 2006 e outro em 2009, e várias músicas de sucesso em vozes como Maria Rita, Ana Carolina, Maria Gadú, Roberta Sá, Ara Ketu, Falamansa, Casuarina e outros artistas. Com Kannário, não é a primeira parceria: ele também é compositor da música ‘Desostenta’, que faz uma dura crítica a ostentação e a influência exercida por ela na mente do público. 

“’Xeque Mate’ não pretende opinar diretamente. Queria, através da canção contribuir com a discussão dos assuntos na sociedade. Na outra música, ‘Desostenta’, eu aponto uma opinião clara sobre a ostentação (Leia Mais aqui). Nessa não, eu exponho os fatos para que o ouvinte possa tirar sua conclusão. Isso tem gerado um retorno interessante porque muita gente através das redes sociais, ou em sociedade mesmo, está refletindo mais sobre o assunto. Pessoas que tinham uma visão mais contrária sobre certos assuntos, acabaram sensibilizadas. É uma música que estimula o pensamento crítico”, explica o carioca.
 
O contato com o pagodeiro baiano surgiu através de um amigo em comum, o percussionista Leonardo Reis, e Krieger conta ter ficado extremamente feliz com o interesse de Igor em suas canções. “Kannário é a voz que se comunica diretamente com o gueto. Ele é o único artista do Brasil, fora do rap, que consegue ter uma comunicação imediata a muito forte com a periferia. E ele ser porta voz desse tipo de música é como se fosse um prêmio pra mim, porque a mensagem vai chegar aonde precisa. O que o compositor quer, na verdade, é que a música alcance, sobretudo, as camadas sociais que não tem o costume de estimular o pensamento crítico”, continua ele, passando a fazer uma crítica sobre o repertório cultural que é exposto à favela.

 
“Esse público alcança um entretenimento muito superficial, muito vazio, raso. O acesso que o povo da favela tem a cultura envolve trabalhos que procuram um entretenimento vazio de conteúdo. Eu não tenho nada contra os artistas que trabalham dentro dessa proposta. Mas adquirir um pensamento crítico tira eles da condição de massa de manobra, e é aí que músicas como essa ajudam. Igor Kannário é um porta voz valiosíssimo”, opinou ele. “Pra mim foi uma alegria enorme, é honra”, disse o compositor.

Edu explicou que Leonardo, o amigo que os apresentou, é praticamente irmão do cantor baiano, ‘uma espécie de mentor’. “Ele sempre esteve ao lado dele, aconselhando, orientando, mesmo quando ele se envolvia em algumas polêmicas, são quase irmãos. Quando ele me disse, ‘mostrei sua música ao Kannário e ele pirou’, achei muito bacana. O que eu não sabia é que, pra minha felicidade, ele ia se interessar em gravá-las. É um cara que acho importantíssimo pra cena musical brasileira, não é à toa que ele vem vencendo todos os obstáculos que a condição dele de morador da favela impõe. Ele tem tanta força, que conseguiu mesmo com muita relutância de diversas pessoas e setores, se impor através da força do trabalho dele. É um artista que está em ascensão mesmo sofrendo todo tipo de pressão contra. Todo tipo de boicote. Mesmo com atitudes polêmicas, questionáveis, e que são normais para um cara que tem uma base difícil, que vem da favela, tudo o leva a ter atitudes questionáveis. Mas o Igor está amadurecendo, ele tá melhorando muito. Quer crescer, se comunicar com seu povo através da música. É um presente ter a amizade e parceria dele”, finalizou Krieger.
 
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