A equipe do Blog Ilheusempauta apurou que na manhĂ£ deste domingo, 29, o triste relato de uma mĂ£e desesperada, que ao perder seu bebĂª, precisou fazer uma curetagem e passou por momentos de angĂºstia, descaso e desrespeito na Maternidade Santa Helena em IlhĂ©us. AlĂ©m da tristeza por nĂ£o prosseguir com a gestaĂ§Ă£o, devido a agressões sofrida em um assalto, Roberta ConceiĂ§Ă£o Bonfim sentiu-se humilhada pelos julgamentos e segundo a mesma, a falta de sensibilidade dos profissionais de saĂºde da maternidade citada. E nĂ³s do Blog ilheusnoticias.net.br, por considerarmos gravĂssima a situaĂ§Ă£o estamos reproduzindo na Ăntegra a denuncia e solicitando providĂªncias imediatas, bem como, colocado-nos Ă disposiĂ§Ă£o caso a entidade queira responder.
Confira na Ăntegra como tudo aconteceu em seu relato:
“Como algumas pessoas jĂ¡ sabem, eu estava grĂ¡vida de 7 semanas quando fui surpreendida por um assalto, em que fui agredida pelo ladrĂ£o (rasgou meu vestido, puxou meu cabelo, bateu em meu rosto), juntamente com mais dois amigos, durante a minha estadia no Acre, para participar do Encontro Nacional do Ensino de QuĂmica. ApĂ³s o ocorrido, apresentei cĂ³lica e sangramento e imediatamente procurei a maternidade local, Maternidade BĂ¡rbara Heliodora, que diga-se de passagem fui bem atendida. Durante a consulta o obstetra fez o exame do toque e afirmou que o colo do meu Ăºtero estava fechado, me medicou e me liberou. Retornamos para o hotel. Era domingo, 14 de julho, e o meu retorno para casa estava previsto para madrugada de sexta, 20 de julho. Durante todo esse perĂodo apresentei sangramento e comecei a repousar sempre que podia. Percebendo uma melhora no sangramento quando eu fazia isso, passei a repetir durante todo o tempo.
Na noite que antecedeu a madrugada de sexta eu jĂ¡ nĂ£o sangrava mais, pois passei o dia repousando. Chegou a madrugada e fomos nĂ³s para o aeroporto, chegando lĂ¡, novamente sangrei, mas mantive a calma e vim para casa. Chegando em IlhĂ©us, 20 de julho, começou meu maior pesadelo. Fui para a Maternidade Santa Helena em busca de atendimento, chegando lĂ¡ fui atendida por uma enfermeira que fez novamente o exame do toque e detectou que meu colo estava fechado, mas que eu teria que fazer um ultrassom para saber da saĂºde do bebĂª. E pasmem, na maternidade nĂ£o faz ultrassom. Eu fui liberada pela enfermeira, que disse que era para eu fazer a ultrassom no dia seguinte pela manhĂ£ em alguma clĂnica e retornar lĂ¡.
SĂ¡bado, 21 de julho, 07h da manhĂ£, estava eu na clĂnica, peguei a ficha nĂºmero 60 e a angĂºstia tomava conta de mim e a espera tornava tudo mais doloroso. Chegou minha vez, o sangue escorria em minhas pernas e o mĂ©dico começou o exame endovaginal. Primeira pergunta: na Ăºltima vez que vocĂª fez ultrassom ele estava vivo? Aquilo jĂ¡ começou a dĂ¡ indĂcios que a notĂcia que eu receberia nĂ£o era boa. ApĂ³s a pergunta e depois de muito mexer, veio a notĂcia mais triste que eu poderia receber naquele dia: Infelizmente, nĂ£o tem mais batimentos. O mundo desabou sobre mim, eu sĂ³ queria minha casa, minha mĂ£e, meu noivo (que esteve comigo o tempo inteiro). Eu sĂ³ queria sair dali. Ao dar o resultado de aborto retido o mĂ©dico informou que eu deveria procurar a maternidade. LĂ¡ estava eu novamente na maternidade Santa Helena, fiz a ficha e fiz a triagem com a enfermeira que fria e prontamente falou que eu tinha condições de expelir aquilo sozinha, mas que iria esperar a conduta mĂ©dica. E lĂ¡ se foram duas horas de espera pela conduta mĂ©dica e nada, enquanto o mundo desabava em minha cabeça. Desistimos.
Um casal de grandes amigos foram nos buscar na maternidade para nos levar em Itabuna para outra maternidade. Chegamos lĂ¡. Hospital Manoel Novaes. Fiz a triagem, com um pouco de demora, mas muito bem assistida pela equipe de enfermagem, passei pelo mĂ©dico, que fez o exame do toque e outro ultrassom para confirmar o resultado que eu levei, e de fato, comprovada morte embrionĂ¡ria. A partir dali começou outra dor, ele colocou um medicamento chamado Misoprostol, vulgo Cytotec e me liberou para casa. Eram 17:40 do dia 21 de julho, começou as contrações como consequĂªncia do uso do medicamento, dores brandas. 19h, as dores pioraram e cada segundo intensificava. 20h, 21h, 22h, 23h, vĂ´mitos e mais vĂ´mitos, enfim, 23:35 senti a dor mais forte de todas, sentei no vaso sanitĂ¡rio e vi minha sementinha descendo pelo ralo. A dor na alma permanecia, mas a dor fĂsica passou. Como esperado continuei com sangramento, mas nada que me causasse mal-estar.
O resguardo começou e tambĂ©m passei a refletir sobre os propĂ³sitos de Deus, todos os dias antes de dormir e chorava, quietinha, calada, sĂ³ eu e Deus e as vezes meu noivo. NĂ£o vou elencar aqui todas as coisas que fui capaz de aprender com esse momento doloroso, mas garanto hoje eu sou muito amor, porque eu tive o amor gerado dentro de mim. E hoje, eu posso ver e garantir que ser resiliente Ă© uma das maiores virtudes humanas. Domingo. Segunda. Terça. Quarta. Quinta, dia de ir no posto de saĂºde conversar com a enfermeira, afinal eu jĂ¡ tinha atĂ© começado o prĂ©-natal. Na consulta ela pediu que eu fizesse um ultrassom para saber se com o medicamento eu tinha conseguido expelir tudo.
SĂ¡bado, 28 de julho, 08h da manhĂ£, estava eu mais uma vez na clĂnica para fazer ultrassom. E mais uma vez me deparei com sangue escorrendo. O mĂ©dico começou o exame, em meio a tantas mulheres ele jĂ¡ nĂ£o lembrava de mim. Perguntou o porquĂª de eu estar ali. Expliquei e ele falou: vocĂª deveria ter feito, alĂ©m do uso do medicamento, um procedimento chamado curetagem. E lĂ¡ vamos nĂ³s, eu e meu noivo, reviver aquele triste sĂ¡bado, 8 dias depois. Fomos para a Maternidade Santa Helena, fiz a ficha 12h, a enfermeira do plantĂ£o estava prestes a sair, tivemos que esperar a outra (inclusive a mesma que me atendeu na sexta, 20 de julho), que sĂ³ chegou 13h. Enfim me chamou para a triagem. Novamente fez o toque e viu colo fechado e me disse que os restos do parto eu colocaria para fora espontaneamente, era sĂ³ eu esperar cerca de 28 dias. 28 dias, vulnerĂ¡vel a infecções, inflamações e muito sangramento.
NĂ£o aceitei essa ordem e minha mĂ£e procurou a diretoria do hospital e alguns outros contatos influentes da saĂºde de IlhĂ©us por telefone, que prontamente ligou para a maternidade pediu para falar com a enfermeira, que imediatamente me chamou de volta, uma vez que ela jĂ¡ tinha me dado alta, e deu entrada no meu processo de internamento para fazer a curetagem, porĂ©m esse tipo de procedimento nĂ£o pode ter acompanhante. E ai, fica a pergunta, Ă© desse jeito que a saĂºde funciona no SUS? É desse jeito que o SUS em IlhĂ©us funciona?
Fui encaminhada para a sala de prĂ©-parto, coletaram sangue para exame, aferiram minha pressĂ£o e me colocaram numa cama. Durante todo esse processo, apenas tive uma tĂ©cnica de enfermagem preocupada com meu estado emocional, as outras da equipe, ou me olhavam como se eu estivesse ali por que eu fiz um aborto ilegal ou eram frias a ponto de nĂ£o reconhecer que eu estava muito triste por tudo isso. E garanto, esse tipo de humilhaĂ§Ă£o doi muito mais que a notĂcia da morte do bebĂª.
O internamento foi 14:30, a partir desse horĂ¡rio eu nĂ£o poderia mais comer, nem beber Ă¡gua, atĂ© ai tudo bem. Enquanto estava no quarto sozinha eu chorava muito, atĂ© que a enfermeira entrou no quarto e perguntou o motivo do choro e se eu estava com dor, eu neguei e disse que estava triste, ela perguntou porque a tristeza, afinal ela nĂ£o via motivo para tanto choro e saiu do quarto. Fiquei lĂ¡ atĂ© as 17:40 sem nenhuma notĂcia de que horas faria o procedimento, foi quando sai do quarto e perguntei a tĂ©cnica de enfermagem se ainda faria ontem. Ela disse que nĂ£o sabia. Voltei para o quarto e chorei, chorei muito. 18:00 perguntei novamente a outra enfermeira e para meu desespero ela me explicou que a maternidade nĂ£o chama anestesista para fazer apenas curetagem e que meu caso nĂ£o era urgente, aĂ caso aparecesse um parto cesariano eu desceria para o centro cirĂºrgico junto e aproveitaria o anestesista. Mais algumas horas de choro e desespero. AtĂ© que, 20:30 o mĂ©dico sai da sala de conforto e avisa, leva a cesĂ¡ria e aproveita e leva a cureta tambĂ©m que eu jĂ¡ estou descendo. SensaĂ§Ă£o de alĂvio tomou conta de mim. Desci. Eu, minha fĂ©, Deus e os mĂ©dicos. O enfermeiro do centro cirĂºrgico e o anestesista foram maravilhosos e cuidadosos comigo.
Anestesiada geral, o procedimento foi realizado sem nenhuma intercorrĂªncia, as 22:30 eu acordei jĂ¡ estava no quarto, sem dor e aliviada. E hoje, domingo 29 de julho, minha alta chegou Ă s 10h. Estou aqui em minha casa, com minha famĂlia. Melhor lugar possĂvel. Mas, preciso expressar o quanto eu fui maltratada na maternidade, em decorrĂªncia do preconceito acerca do aborto. Eu nĂ£o abortei porque eu quis, eu queria ter meu filho, queria hoje estar comemorando as suas 9 semanas de vida dentro de mim. E mesmo se eu tivesse abortado por vontade prĂ³pria, a equipe do hospital nĂ£o tem o direito de fazer o que fez, de ignorar todo desgaste emocional que eu estou vivendo.”
Roberta ConceiĂ§Ă£o Bonfim
Blog Ilhéus em Pauta