A ciência já identificou a boca como porta de entrada de
microrganismos que podem causar diversos tipos de doenças, em especial
pulmonares e cardíacas. Segundo o Conselho Federal de Odontologia (CFO) e
a Associação de Medicina Intensiva Brasileira (Amibi), a falta de
higiene bucal também pode potencializar os efeitos da covid-19 no
organismo, uma vez que é grande a replicação do vírus em glândulas
salivares, língua e saliva.
Diante dessa constatação, as duas entidades criaram um manual com
procedimentos a serem adotados para a higienização bucal de pacientes
internados em unidades de terapia intensivas (UTIs). A limpeza é feita
com a ajuda de uma substância que, por meio de oxidação, reduz as
colônias de microrganismos na boca.
“Esse tipo de procedimento já vinha sendo adotado para prevenção de
pneumonias causadas por outros microrganismos, como bactérias, tanto em
pacientes entubados quanto naqueles em que foi necessário fazer
procedimento de traqueostomia, reduzindo significativamente os casos de
contaminação. Agora, estamos adaptando aos pacientes ligados à
ventilação mecânica por causa da covid-19”, disse à Agência Brasil o
coordenador da Comissão de Odontologia Hospitalar do CFO, Keller De
Martini.
O manual desenvolvido pelo CFO e pela Amibi foi criado a partir da
revisão de artigos científicos que abrangem “os principais pontos
exitosos para a implementação desse tipo de procedimento”, explica a
presidente do Departamento de Odontologia da Amibi, Alessandra
Figueiredo de Souza.
De acordo com a cirurgiã dentista do Hospital Risoleta Tolentino
Neves (HRTN), em Belo Horizonte (MG), até o momento, por causa da alta
demanda de profissionais em meio à pandemia, não há estudos finalizados
que comprovem cientificamente os bons resultados obtidos a partir da
aplicação desse procedimento em pacientes com o novo coronavírus. “Mas,
historicamente, esse protocolo tem reduzido entre 50% e 60% as demais
contaminações por pneumonias como as bacterianas”, disse.
Atuando na linha de frente de combate à pandemia, Keller De Martins
diz perceber que a adoção desse protocolo tem apresentado ótimos
resultados, com cerca de 40% dos pacientes entubados apresentando alguma
melhora. “É algo a ser comemorado se considerarmos que cerca de 80% dos
pacientes que vão para UTIs devido à covid-19 acabam indo a óbito, e
que a sobrevida dos demais acaba, em muitos casos, apresentando
sequelas”, argumenta.
Segundo o cirurgião dentista, boa parte dos hospitais já adota o
protocolo. Ele, no entanto, reforça a urgência de que o procedimento
seja adotado em todas as UTIs, como forma de minimizar as taxas de
mortes.
“É fundamental que os hospitais tenham cirurgiões dentistas em suas
equipes multidisciplinares de enfrentamento à covid-19. De preferência,
profissionais com habilitação em odontologia hospitalar”, diz a
presidente da Amibi, ao sugerir que, caso os hospitais precisem de ajuda
para a implementação desse protocolo, entrem em contato com entidades
de classe como o CFO e a Amibi.
Higienização
De Martini e Alessandra acrescentam que a higienização bucal é
indicada também para os casos em que a doença não esteja em sua versão
mais grave, de forma a reduzir a carga viral no organismo.
“Defendemos, inclusive, que mesmo pessoas não contaminadas tenham
bastante atenção com a higienização bucal, escovando inclusive a
língua”, acrescenta Martini, do CFO, ao sugerir também o uso de
antisséptico bucal. “Lembre-se: a principal entrada desse vírus é via
aérea, percorrendo a cavidade bucal”.
Os dois cirurgiões dentistas ouvidos pela Agência Brasil estão
atuando na linha de frente de combate à pandemia. Ambos se dizem
perplexos ao verem tantas pessoas despreocupadas com o que está
acontecendo, a ponto de não usarem máscara inclusive em ambientes com
aglomeração.
“Vemos equipes que trabalham constantemente, inclusive colocando a
própria vida em risco para salvar vidas. Há médicos que estão morando no
hospital para se dedicarem integralmente a essa luta, porque o número
de profissionais à disposição nas UTIs é insuficiente”, disse De
Martini.
“Além disso, há também outros profissionais fundamentais para essa
luta [nos hospitais]. Seja na área de limpeza, seja na de segurança;
fonoaudiólogos, fisioterapeutas, psicólogos, nutricionistas. Cada um
fazendo sua parte. É, de fato, muito frustrante vermos, quando nos
deslocamos para recarregar baterias em nossas casas, tanta ignorância
nas ruas e tantas pessoas dizendo que essa doença é uma invenção. A
verdade é que essa doença está matando cada vez mais e dilacerando um
número cada vez maior de famílias”, completou.