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Homem é condenado após roubar beijo no Carnaval de Salvador
A condenação de G.S.S, 30, a sete anos de prisão pelo crime de estupro, por ter tentado roubar um beijo em um sábado de Carnaval, levou a brincadeira consolidada na folia baiana para a encruzilhada do limite jurídico. Qual a linha divisória entre o lúdico e a agressão?

"Após a medicalização do jogo, com a divulgação da lista de doenças que podem ser transmitidas ao beijar em série pessoas diferentes, chegou a hora da invasão jurídica", analisa Roberto Albergaria, doutor em antropologia e professor aposentado da Ufba.

Segundo ele, o caso é uma amostra de como os jogos de Carnaval muitas vezes chegam à esfera da violência. "Há outras práticas mais brutais, como grupos de marmanjos que colocam as meninas em uma roda para molestá-las de várias formas. Contato físico forçado é sempre desrespeitoso", diz.

Para Carla Akotirene, mestre em estudos de gênero, mulheres e feminismo pela Ufba, a punição para o caso foi cabível, pois uma mulher deve ter a privacidade sobre o seu corpo respeitada.

"Se ela não deu direito ao outro para acessar o seu corpo e houve uso da força, a punição deve realmente ser severa", analisa.

Embora critique o uso da força quando a mulher não permite, Albergaria analisa a condenação de G.S.S por estupro como resultado da morosidade que caracteriza a burocracia policial e judiciária: "Transformam casos simples em processos descabelados, principalmente quando envolvem os mais pobres".

Para o antropólogo, o caso é interessante por abrir a possibilidade de debater outros aspectos da troca de beijos durante a folia. "Tem o aspecto do tradicional machismo baiano que está presente em todas as camadas sociais, pois é herança do patriarcalismo ibérico que nossa cultura possui", cita.

Narcisismo

De acordo com o antropólogo, o hábito de "roubar" beijos é uma prática executada por mulheres e homens na faixa dos 16 aos 23 anos. "São meninas e meninos que estão saindo da adolescência e descobrindo o jogo da paquera", afirma.

Albergaria destaca que a base do jogo é disputar quem beija mais, inclusive os mais bonitos. "Por esse princípio, já dá para perceber que é uma ação excludente. Os considerados feios e maduros não contam".

O que mais vale, de acordo com ele, é exibir-se para o grupo. "É por isso que esse jogo tem que ser feito em galera", diz.

A prática, inclusive, requer uma técnica de linguagem corporal. "É uma técnica de comunicação visual, gestual, porque no Carnaval não se pode falar por conta da barulheira", completa.

Para o antropólogo, são códigos que a juventude aperfeiçoa a cada geração. "No meu tempo de jovem, a gente não conseguia beijar uma menina numa situação de paquera. A vitória era que ela deixasse escrever o número do telefone na mão ou no braço", acrescenta.
 
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