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O caso se deu numa cidade europeia: filha de um casal separado, a menina de nove anos foi passar o fim de semana com o pai. A madrasta a levou a uma clínica para que ela tivesse seu clitóris cortado. Assustada, a menina resistiu e foi segurada pelas pernas e braços por uma enfermeira e pela madrasta.

 

Zarema, a mãe, percebeu que havia algo errado quando a menina voltou com febre e chorando. Furiosa, deu queixa à polícia contra o ex-marido, a mulher dele e a médica.

 

Um ano e meio depois, tem pouca esperança de ver justiça no processo, o primeiro a tratar de mutilação genital feminina (MGF) na Rússia. Só a ginecologista que cortou a menina está sendo julgada, por danos leves à saúde, diz a advogada Tatiana Savvina, que acompanha o caso pela organização Iniciativa Legal. A pena máxima é de quatro meses de prisão, um ano de serviço comunitário ou 40 mil rublos (R$ 2.859), alternativamente.

 

A clínica médica privada, que não verificou os documentos da menina antes dos cortes (pelos quais cobrou 2.000 rublos, ou R$ 143 reais, segundo tabela de preço de 2019), não foi incluída nas investigações.

 

Segundo Savvina, para que o caso seja tratado com a gravidade que merece, será preciso levá-lo ao Tribunal Europeu de Direitos Humanos. Um dos problemas, diz ela, é que não há na Rússia uma lei específica que proíba a MGF.

 

O país não é exceção ao não prever punições contra a prática, definida pela OMS como dano parcial ou total à genitália feminina sem benefícios à saúde. Mutilações são documentadas em ao menos 92 países do mundo, mas só 51 mencionam a MGF de forma explícita em suas leis, mostra levantamento realizado pela organização Equality Now.

 

O procedimento pode deixar sequelas físicas e mentais por toda a vida, segundo a OMS, como infecções crônicas, dor intensa durante a micção, a menstruação e as relações sexuais, depressão, maior risco de infertilidade, complicações de parto e até a morte de recém-nascidos. O próprio procedimento pode levar à morte, por hemorragia ou infecções graves.

 

Em maio deste ano, pai e madrasta da menina russa de nove anos foram isentos de acusação por crime, porque seria preciso provar que houve intenção de prejudicar sua saúde. Na Inguchétia (região do sudoeste russo que faz fronteira com a Geórgia), onde os dois vivem, a mutilação é praticada há décadas e é a regra em comunidades islâmicas rurais.

 

Mas não está na religião a raiz do problema, dizem entidades, ativistas e pesquisadores do assunto. Zarema também é muçulmana, mas sua comunidade se opõe aos cortes, que têm como principal objetivo controlar a sexualidade feminina, segundo Divya Srinivasan, que organizou o relatório global da Equality Now.

 

"Independentemente do grau, gravidade ou motivação, é uma violação dos direitos humanos voltada à opressão de mulheres e meninas", afirma a pesquisadora.

 

"O mito de que isso só ocorre em aldeias muçulmanas da África atrasa o combate a um problema global, que ocorre em grandes cidades desenvolvidas e em diferentes religiões", acrescenta a americana Mariya Taher, diretora da Sahiyo, que busca chamar a atenção para o problema entre mulheres de origem asiática em todo o mundo.

 

Nascida numa família de classe média e criada num bairro afluente do Centro-Oeste dos Estados Unidos, Thaler só descobriu que ela própria tinha sido submetida à MGF quando cursava a faculdade, pelo relato de uma amiga profundamente traumatizada pelos cortes.

 

"Eu me lembrava de uma cerimônia quando tinha sete anos, mas, por sorte, foi a forma mais leve de corte. Não deixou nem cicatrizes, e até então nunca o havia visto como mutilação", relata a ativista. O choque a fez estudar as mutilações no mestrado.

 


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