O fim do auxílio emergencial em dezembro deve deixar cerca de 38
milhões de brasileiros sem assistência, estima estudo da FGV (Fundação
Getulio Vargas). Chamados de "invisíveis" pelo ministro Paulo Guedes
(Economia), são em sua maioria pessoas de baixa renda, pouca
escolaridade e ocupadas em atividades informais.
Para os pesquisadores, o quadro reforça a urgência de o governo
definir os rumos da política de assistência social após o término do
auxílio, com uma estratégia clara, recursos ampliados e a definição de
fontes de financiamento permanentes.
Nas últimas semanas, a ampliação do Bolsa Família e sua transformação
em Renda Brasil ou Renda Cidadã tem sido motivo de bate-cabeça no
governo, com anúncios desencontrados, membros da equipe econômica
desautorizados publicamente pelo presidente Jair Bolsonaro e temor nos
mercados diante de algumas das propostas de financiamento cogitadas.
Segundo estudo dos pesquisadores Lauro Gonzalez, Bruno Barreira e
Leonardo José Pereira, os 38 milhões correspondem ao número de pessoas
que receberam a primeira parcela do auxílio - de um total de 67 milhões
-, mas não estão inscritas no Cadastro Único e, portanto, não vão
receber o Bolsa Família quando a transferência emergencial for
encerrada.
Eles representam 61% da parcela da população que recebeu o auxílio
emergencial. Mais da metade desses trabalhadores (64%) são informais,
74% deles têm renda até R$ 1.254 e são em sua maioria pessoas de baixa
escolaridade, com no máximo o ensino fundamental (55%).
O estudo não diferencia, porém, a parcela da população que recebeu o
auxílio sem ter direito. Segundo relatório do TCU (Tribunal de Contas da
União) de agosto, 6,4 milhões de pessoas estavam nessa situação,
incluindo militares e funcionários públicos que sacaram o recurso
indevidamente.
O levantamento da FGV foi feito a partir dos dados referentes ao mês
de agosto da Pnad Covid-19, pesquisa criada pelo IBGE (Instituto
Brasileiro de Geografia e Estatística) para mensurar os efeitos da
pandemia sobre o mercado de trabalho e a saúde dos brasileiros.
Para Gonzalez, coordenador do Centro de Estudos de Microfinanças e
Inclusão Financeira da FGV, esse contingente populacional representa bem
as mudanças recentes do mercado de trabalho.
"Vivemos uma era marcada pela economia do bico, pelo aumento da
informalidade, por rendas que são tipicamente variáveis, e não
constantes", afirma, acrescentando que esse é um fenômeno que acontece
também em outros países.
"Esse contingente populacional não é tão pobre de forma a atender os
critérios para o enquadramento no Bolsa Família, tal qual o programa é
desenhado hoje, mas tem um conjunto de características que são bastante
associadas a uma grande vulnerabilidade, sobretudo diante de variações
na economia".
Ainda segundo o estudo, sem o auxílio emergencial, essa parcela da
população teria registrado uma queda de 12% de seus rendimentos, em
relação à renda usual anterior à pandemia. Com o auxílio, o ganho médio
de renda foi de 38%. As perdas e ganhos são similares ao do universo
total de beneficiários do auxílio, de 11% e 37%, respectivamente.
Entre os "invisíveis", informais e mulheres são os que mais se
beneficiaram da política emergencial de transferência de renda. Para as
mulheres informais não inscritas no Cadastro Único, a perda de renda
teria sido de 20% sem o auxílio, e o ganho com a política chega a 52%.
"O auxílio emergencial e a crise tornaram mais clara a percepção de
que o Bolsa Família é um programa extremamente exitoso, mas hoje o
número de pessoas atendidas é insuficiente, face às mudanças recentes do
mundo do trabalho e à existência de um público que fica na fronteira
entre a pobreza e a não-pobreza", diz Gonzalez.
"É preciso aumentar a abrangência de um programa, seja qual for o
nome que se dê a ele, ampliando o número de pessoas atendidas, os
recursos aplicados e apontando fontes permanentes de financiamento",
afirma. "O Estado precisa definir o que ele quer da vida para um
programa de transferência de renda. Tem havido idas e vindas, uma
verdadeira gangorra de anúncios por parte do governo, o que gera muita
insegurança para a população".