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Luis Ganem: O que está destruindo a música baiana não é a música baiana

Desde meu último artigo, venho constantemente ouvindo histórias de amigos ligados ao mercado musical baiano, para poder me abastecer de fatos que possam embasar outros textos, além, como é de lei, de ter o prazer de jogar um pouco de conversa fora. Tirando de lado a prosa, essas conversas quase sempre acabam passando sobre os grandes empresários da música que faliram – principalmente os mais arrogantes – e, vira e mexe, sou instado a tratar do fator meritocracia.

Diga-se de passagem, esse fator deixou há muito de valer alguma coisa por essas pairagens. Mas, por mais incrível que possa parecer, de um tempo pra cá, tem valido ainda menos. O que antes era visto como honra, caráter e honestidade, passou a ser usado como a lei do esperto, oportunista, desonesto mesmo. Nas rodas, ouço desde aqueles que são de fato desonestos – travestidos de paladinos da honra e moral – aos que realmente não querem passar a perna em ninguém e é unânime: ninguém confia mais em ninguém.

Mas não pense você, desavisado leitor, que a tendência é melhorar. O mercado se tornou a história do quanto mais desonesto, melhor. Lógico que não quero dizer que já se tornou regra geral ser desonesto. Mas a coisa está feia.

Na música, sempre funcionou assim: juntava-se a fome com a vontade de comer. Houve um tempo em que talentos meio que brotavam por todo lado. Era normal surgir um jovem ou uma jovem voz, que poderia, bem trabalhada, tornar-se uma boa possibilidade de sucesso comercial. Por mais que o funil do sucesso já fosse um pequeno buraco, boas possibilidades apareciam a toda hora. Não estou dizendo que era tudo inocência, ou que não existisse sujeito mau caráter. Mas as trocas de interesses ainda eram menos injustas.

Nesse mundo de outrora, os valores empresariais funcionavam de duas formas: quando o empresário tinha dinheiro, ele bancava o artista e dava pra ele num primeiro momento um percentual menor em relação ao que ficava. Normalmente, depois de pagos os custos, a divisão era 30% artista 70% empresário. Quando o empresário não tinha dinheiro, esses valores passavam a ser divididos meio a meio depois de se pagar tudo, o que era justo, já que havia no meio dessa parceria a cota de sacrifício do artista.

E viviam todos muito bem e, na “savana”, todos se relacionavam. Os casos de empresário “enganando” artista e artista passando a perna em empresário eram coisa menor, pois aconteciam de forma isolada. Tanto que, quando acontecia algo diferente, o mercado todo sabia e o artista ou empresário ficava marcado ou estigmatizado.

Mas onde quero chegar com toda essa conversa longa? Nos motivos que têm levado nosso mercado a ter cada vez menos novos artistas. Essa história do gato enganar o rato e de o rato ser mais esperto que o gato trouxe uma desconfiança na relação de novos músicos com empresários que beira a insanidade.

A coisa está a ponto de ser impossível conversar com empresário artístico sobre investir em um novo produto e não ouvir a frase de que o investimento não compensa. O empresariado tem entendido que, sendo o período de empresariamento de no máximo cinco anos sem renovação, acaba que, antes disso, o cantor decide quase sempre – 90% dos casos – fazer carreira solo e o empresário não consegue retirar o seu investimento. E do outro lado, os artistas têm tido receio de se associar a um empresário, pois acham que sempre serão ludibriados enquanto perdurar o contrato. Como se percebe, a fome não se junta mais à vontade de comer – e nem faz força pra isso.

Como chegamos a um ponto desses? Como se resolvem desconfianças desse nível? Será que existe alguma forma? Bom, se não existir, é importante criar, pois a cada dia que passa, fica mais difícil ajudar novos valores. Dizem que a música baiana morreu. Em verdade, pra mim, o que morreu foi a vontade de fazer o novo.

Quem encarnará o filósofo Diógenes e sua lanterna?

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