O sistema de trabalho home office (teletrabalho), adotado por grandes empresas, públicas e privadas, em função da pandemia do novo coronavírus, apresenta tendência de permanência na maioria das companhias, mesmo após uma futura volta à normalidade. Um dos exemplos é a mineradora Vale.
A gerente executiva e líder do programa Jornada Vale, Josilda Saad, informou à Agência Brasil que em 2019, antes do início da pandemia no Brasil, a Vale havia decidido estabelecer um sistema de trabalho mais flexível, adotando, uma vez por semana, o trabalho em forma remota. Mas a adesão era muito baixa.
Com a pandemia, a Vale colocou todas as funções administrativas e de suporte operacional no regime remoto em todas as suas instalações no mundo desde 13 de março de 2020. Ao final do primeiro mês no novo sistema, a companhia constatou que não houve redução do volume de transações de atividades, embora as equipes tenham tido que se adequar.
Atualmente, 18 mil profissionais da Vale trabalham de forma remota, o que equivale entre 24% e 25% dos funcionários da companhia. Os cargos operacionais continuam no formato presencial, mas adotando protocolos de distanciamento seguindo diretrizes do Ministério da Saúde. “As funções que não são essenciais foram colocadas em teletrabalho. Essencial, na nossa classificação, é aquela função que não pode deixar de acontecer em um site operacional”, explicou Josilda.
As diretrizes foram passadas também para os fornecedores da Vale. Para o trabalho de campo de engenheiros, por exemplo, soluções inovadoras foram adotadas, como uso de câmeras nos capacetes, que permitem às equipes acompanhar as visitas mesmo à distância.
Favorabilidade
Pesquisa realizada em junho de 2020 com os empregados da mineradora
identificou um grau de favorabilidade ao trabalho remoto de 73%. “Foi
uma surpresa bastante positiva, com 73% das pessoas se dizendo
satisfeitas e produtivas trabalhando remotamente”, disse a líder do
programa Jornada Vale.
Segundo Josilda, esse foi um sinal forte para implantar o programa, que se traduz em um novo modelo de trabalho mais flexível, seguro e colaborativo para os empregados e que combina home office com hubs, ou espaços de colaboração. O programa atenta não só para o repensar dos espaços físicos e o que se quer fazer com eles, mas também para o bem-estar dos funcionários e para a dinâmica de trabalho.
A Vale decidiu, que quando a pandemia permitir, vai migrar para um ambiente de trabalho híbrido. Nos sites operacionais, ficarão apenas mantenedores e funções operacionais. O novo regime, mais flexível, combinará trabalho remoto e hubs de colaboração e desenvolvimento, onde os empregados poderão agendar encontros presenciais, conectando-se também de forma cultural e emocional, em um lugar em que poderão trocar ideias ou trabalhar em conjunto.
Todos os escritórios da Vale no mundo serão transformados em hubs ou espaços de colaboração. No Brasil, há dez escritórios fora das áreas operacionais e serão construídos mais sete que devem estar prontos no terceiro trimestre que serão construídos em Minas Gerais, no Espírito Santo e no Pará. “Não vamos ter mais a obrigatoriedade do trabalho presencial, mas nós vamos ter esses hubs para receber as pessoas”.
Condições adequadas
Para que os funcionários em trabalho remoto tivessem condições adequadas
em termos de ergonomia, a Vale liberou para todos, em setembro do ano
passado, um suporte financeiro para compra de mobiliário de escritório,
além de um suporte ergo-office, para apoio de um consultor, quando
necessário.
Josilda assegurou que a principal motivação para a adoção desse sistema não foi a redução de custos com aluguel, por exemplo, mas sim o fato que a maior flexibilização do trabalho torna os empregados mais engajados e produzindo mais. “Essa sempre foi a nossa crença”. Os ganhos serão em termos de qualidade e produtividade, segundo ela.
Uma pesquisa mais recente feita pela Vale mostrou que o índice de aprovação do home office subiu de 73% para 80%, pois reduziu para muitas pessoas o tempo excessivo gasto com deslocamentos até o local de trabalho. “Os funcionários vislumbram a possibilidade de interagir nos hubs e não querem mais a obrigatoriedade de ir ao trabalho no modelo tradicional. É o lado positivo: a união das famílias com a jornada de trabalho e a gestão da própria família”.
O pagamento de contas de luz e internet pela Vale não constitui um nicho de demanda dos funcionários, segundo a empresa. Josilda afirmou, no entanto, que a companhia está mapeando as reais necessidades dos seus empregados.
A expectativa é que, a partir do segundo semestre, com aumento da vacinação e redução dos casos de internação por covid-19, a Vale possa liberar o primeiro hub no Brasil, que deve ser o do Rio de Janeiro, com capacidade menor, para poder iniciar o funcionamento de seu projeto.
Adaptação
A vice-presidente de Recursos Humanos da Coca-Cola South Operations,
Simone Grossmann, explicou que a experiência do home office é muito
singular neste momento porque, mais do que o teletrabalho, há a
quarentena e o isolamento. “Isso traz uma série de questões; então é
essencial o apoio do RH e dos líderes e das próprias pessoas estarem
atentas a buscarem ajuda. A situação exige uma adaptação de todos ao
mundo totalmente digital. Com isso, é importante repensar as atividades,
repriorizar de acordo com o que é mais relevante para o negócio e
factível para a rotina de cada um”.
Simone informou que isso foi feito logo no início da pandemia e, pelo menos uma vez por mês, o colaborador tem uma conversa individual com o gestor, onde avaliam e ajustam juntos o que é preciso para o próximo mês. Outro ponto que contribuiu, segundo ela, para o bem estar geral é que a empresa promove muita flexibilização de horário, de modo que as pessoas ajustem sua rotina no que for necessário.
“Acreditamos que comunicação e união nesses momentos nunca é demais. O número de reuniões com os times se tornou mais frequente, temos feito happy hours virtuais e usado muito a nossa rede social interna para aproximar as pessoas. É fundamental ter plataformas tecnológicas que ajudem a manter o engajamento”. Os escritórios da empresa adotaram o trabalho remoto desde 16 de março de 2020. “O objetivo de ter grande parte dos funcionários em casa é contribuir para a segurança e saúde dos que não podem exercer suas atividades de forma remota”.
Simone afirmou que, por ser uma atividade essencial, o Sistema Coca-Cola Brasil, composto pela Coca-Cola Brasil e seus nove engarrafadores, continua operando, mas com cuidados extras de segurança, produção e distribuição de produtos.
Avaliação
Em uma pesquisa interna com os funcionários, foram apontados pontos
positivos da mudança que eles querem ter continuidade daqui em diante,
entre os quais pessoas e líderes mais flexíveis, comunicação mais
regular e transparente, maior foco de todos nas questões de bem-estar,
uma forma de trabalhar mais ágil e dinâmica e uma liderança ainda mais
próxima. Como desafios, alguns colaboradores indicaram dificuldade de
manter o foco no trabalho, falta do acesso mais informal que acontecia
no escritório e aumento do número de reuniões virtuais, que geram o
chamado cansaço virtual. Esse ajuste e equilíbrio são fundamentais
pensando em um período de home office mais prolongado, disse Simone.
A vice-presidente esclareceu que o trabalho remoto para o pessoal de escritório era uma prática que a Coca-Cola incentivava, mas não era um padrão. “Exigiu criatividade, capacidade de adaptação e a criação de novas rotinas e ferramentas. De uma certa maneira, toda a crise que estamos passando acelerou muitas mudanças organizacionais que já eram devidas, mas ainda não tinham acontecido”.
Os funcionários receberam ajuda de custo para a montagem de seus espaços de trabalho ou para despesas adicionais extraordinárias desse período. “Levaram cadeira e seus equipamentos para casa e, como já estávamos muito digitalizados, utilizando plataformas como Teams, a migração foi muito bem sucedida”, avaliou a vice-presidente de RH.
Experiência
Além de Vale e Coca-Cola, do setor privado, grandes empresas públicas
também optaram pelo trabalho em casa para seus empregados, em razão da
pandemia do novo coronavírus. Uma delas foi a Eletrobras. Para as
empresas do grupo, a experiência do home office foi e tem sido uma
experiência de muitos desafios, possibilitando um grande aprendizado e,
ao mesmo tempo, trazendo uma reflexão sobre a forma de se trabalhar. “É
inegável destacarmos que a volta ao escritório tende a ser diferente
após toda essa experiência”, disse, em nota, a empresa.
Na própria Eletrobras, que atua como holding, sem desempenhar atividades operacionais, 100% do quadro de empregados está atuando remotamente. Atualmente, uma decisão da Justiça do Trabalho do Rio de Janeiro impede que os empregados retornem às atividades presenciais. Nas empresas Eletrobras que gerenciam e operam, em tempo real, ativos de transmissão e geração de energia elétrica, cerca de 50% dos empregados permaneceram no trabalho presencial, seguindo os protocolos de saúde estabelecidos pela companhia, “atendendo às melhores práticas e orientação de especialistas de saúde.”
A Eletrobras informou que, de forma geral, o regime de trabalho remoto traz, por natureza, redução de custos em relação a despesas correntes dos escritórios, tais como serviços terceirizados, conta de luz, água, telefone, materiais de escritório, entre outros. A companhia citou que, antes da pandemia, vinha buscando redução dos custos com suas instalações, por meio da otimização da alocação de grande parte dos empregados no mesmo espaço físico e, também, por meio da devolução de andares e de imóveis.
Produtividade
Segundo a Eletrobras, a continuidade das atividades laborais com
produtividade foi um dos pontos positivos mostrados pela adoção do home
office. Outros destaques foram qualidade e não interrupções dos
serviços; redução de custos com viagens a serviço e para treinamentos, a
partir do uso intensivo de recursos de videoconferência; integração
ágil e sinérgica dos profissionais e empresas; realização de grandes
eventos corporativos, possibilitando participação elevada dos empregados
em diferentes localidades. A Eletrobras destacou ainda que as palestras
por videoconferência são mais econômicas do que com o aluguel de
espaços.
Entre os pontos negativos do trabalho remoto, foram apontados a perda da convivência diária e interação entre os profissionais da equipe; possíveis dificuldades com equipamentos, infraestrutura e qualidade do ambiente de trabalho doméstico; perda da integração dos empregados nas instalações comuns e convivência fora da empresa; perda para os estagiários e jovens aprendizes em relação às experiências de convivência no ambiente laboral, “uma vez que o acompanhamento no local de trabalho é mais enriquecedor do que a distância para o monitoramento das atividades”, diz a nota.
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