Mais de uma década depois da minirreforma eleitoral que vetou a
realização de showmícios, a possibilidade de artistas se apresentarem em
prol de candidatos voltou à pauta dos partidos.
No entanto, como a campanha deste ano acontecerá em meio à pandemia do
novo coronavírus, a discussão agora se concentra na viabilidade legal da
transmissão online, sem público, de shows em prol das campanhas.
O formato tem sido chamado de live eleitoral ou "livemício".
Defensores da ideia têm afirmado que "livemícios" não remunerados não
podem ser enquadrados na lei de 2006, sancionada pelo então presidente
Luiz Inácio Lula da Silva (PT), que proibiu os showmícios.
Outros advogados eleitorais, porém, discordam e entendem que a lei atual não permite a prática.
Segundo a legislação, é proibida "a realização de showmício e de evento
assemelhado para promoção de candidatos, bem como a apresentação,
remunerada ou não, de artistas com a finalidade de animar comício e
reunião eleitoral".
Na última semana, a produtora Paula Lavigne disparou na sua lista de
transmissão no WhatsApp uma mensagem em que questionava "se é legal ou
não fazer livemício". "A lei não fala nada do digital", acrescentou.
Lavigne, que é esposa de Caetano Veloso, pretende fazer eventos em apoio
à chapa que deve disputar as eleições em São Paulo pelo PSOL, com
Guilherme Boulos à frente e a deputada Luiza Erundina como vice.
Artistas como Caetano e Chico Buarque assinaram recentemente um
manifesto em defesa da candidatura de Boulos.
"A ideia era fazer um livemício para Boulos e Erundina no dia 25 de
setembro, mas estamos esperando, porque nenhum advogado, de partido
nenhum, sabe responder [se é possível]", disse a produtora à Folha.
Para sanar a dúvida, o PSOL protocolou uma consulta no TSE (Tribunal
Superior Eleitoral) na última quarta-feira (5) questionando se é
possível fazer apresentações não remuneradas durante a campanha. Ela foi
distribuída ao ministro Luis Felipe Salomão, que ainda não se
manifestou.
"Nos períodos 'normais' se poderia concluir, não sem alguma controvérsia
constitucional, estar vigendo a proibição de showmícios e eventos
assemelhados não remunerados", diz o pedido do partido.
A legenda diz que, apesar disso, as características das eleições de 2020
gerariam dúvidas sobre as restrições "da proibição da participação não
remunerada e espontânea dos artistas no pleito".
"Uma live ou webinar dos candidatos com a participação de artistas não
se caracteriza como showmícios ou, sequer, como um evento assemelhado:
ambiente é virtual e é mais restrito ou menos ampla a participação,
somente participando quem de modo espontâneo acessa o site ou plataforma
digital", diz.
No fim, o PSOL questiona ao ministro se a lei eleitoral "permite
realização de apresentação dos candidatos aos eleitores juntamente com
atores, cantores e outros artistas através de shows (lives eleitorais)
não remunerados e realizados em plataforma digital".
Apesar do questionamento da legenda ser específico sobre "livemícios"
não remunerados, a possibilidade de shows virtuais pagos também tem sido
apresentada por políticos.
No início de julho, o deputado Alexandre Frota (PSDB-SP) tentou por meio
legislativo a liberação dos "livemícios", mas o projeto ainda não andou
na Câmara.
Frota pede que seja autorizada, apenas neste ano, a contratação de
artistas para apresentações em plataformas virtuais em apoio aos
candidatos. O valor máximo que uma campanha poderia gastar com as lives,
segundo o projeto, seria R$ 20 mil.
O deputado justifica que a medida ajudaria na "recuperação financeira de
artistas que estão sem trabalho desde o início da pandemia no país".
Consultados pela reportagem, três advogados eleitorais avaliam que a lei
atual não permite livemícios específicos em apoio a campanhas.
Marilda Silveira, integrante do Ibrade (Instituto Brasileiro de Direito
Eleitoral), diz que apesar de não haver decisão do TSE a respeito do
tema, o texto da lei parece "bastante claro".
"Os livemícios, portanto, até aqui, não são permitidos."
A constitucionalista Vera Chemim afirma que na fase de campanha
"artistas não poderão fazer qualquer tipo de showmício". No período
pré-eleitoral, no entanto, entende que é possível a realização de
eventos virtuais que mencionem pré-candidatos ou exaltem suas qualidades
desde que "atendam à proibição de pedir ou comprar votos e não
desrespeitem outros pretensos pré-candidatos".
Para o advogado Delmiro Campos, que foi juiz do TRE de Pernambuco e
integra a Abradep (Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político),
existe "uma linha muito tênue" sobre o assunto.
"Eu entendo que é possível equiparar lives de pré-candidatos com apresentação de artistas a um showmício virtual."
No entanto, Campos aponta que se um artista mencionar de forma
espontânea um pré-candidato em uma live, não vê irregularidade, assim
como entende que é possível um pré-candidato músico se apresentar ao
público.
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