Quase nove em cada dez pediatras (88%) dizem que as crianças
apresentaram alterações de comportamento durante a pandemia de Covid-19.
Oscilações de humor, como a mudança de felizes e ativas para taciturnas e
retraídas, aparecem como as queixas mais frequentes, segundo 75% dos
médicos. Em seguida, vêm ansiedade, irritabilidade, depressão, agitação,
insônia, tristeza, agressividade e aumento de apetite, entre outros.
Os resultados são de uma pesquisa divulgada nesta quarta (19), feita por
duas entidades médicas, a SBP (Sociedade Brasileira de Pediatria) e a
Febrasgo (federação das sociedades de ginecologia e obstetrícia).
O levantamento, realizado por meio de questionário online entre 20 de
julho e 16 de agosto, ouviu 1.525 profissionais, sendo 951 pediatras e
574 ginecologistas e obstetras de todo o país.
Segundo Luciana Rodrigues Silva, presidente da SBP (Sociedade Brasileira
de Pediatria), várias hipóteses explicam as mudanças de comportamento,
como alterações da rotina, a falta da escola e da convivência com os
colegas e a necessidade de isolamento social imposta pela pandemia.
A violência doméstica é outro fator que também preocupa os
profissionais. "Com o confinamento, muitos pediatras têm relatado
aumento dos casos de violência contra a criança e o adolescente",
afirma.
Nesta terça (18), a Opas (Organização Pan-Americana de Saúde) alertou
para uma crise de saúde mental sem precedentes na região das Américas,
com uma explosão de casos de depressão, ansiedade e estresse, além de
aumento da violência doméstica.
De acordo com a diretora da Opas, Carissa Etienne, ainda que os adultos
também estejam sofrendo com os impactos emocionais da pandemia, eles
precisam encontrar tempo para conversar com os filhos, escutá-los e
incentivá-los a expressar os sentimentos.
Para a pediatra Luciana Silva, brincadeiras e tarefas domésticas em
conjunto, como cozinhar, podem ajudar nesse processo. Ela afirma que o
fato de as crianças estarem mais tempo em frente às telas de celulares e
computadores não só pode provocar alterações de comportamento como
também contribui para o aumento da obesidade infantil.
Em relação às crianças menores, a preocupação da SBP é com a vacinação.
Na pesquisa, 73% dos pediatras têm a percepção de que as crianças
deixaram de ser vacinadas nesse período.
A SBIm (Sociedade Brasileira de Imunizações) também tem alertado para a
queda da vacinação infantil durante a pandemia e para a importância de
que os pais mantenham a carteira de imunização dos filhos em dia.
"As vacinas são indispensáveis para proteger as crianças. As mães estão
com medo do contágio pelo coronavírus ao procurar os postos de
vacinação, mas ficar sem a vacina é um risco ainda maior para as
crianças", diz.
Há, por exemplo, um avanço nos casos de sarampo no Brasil neste ano
justamente pela queda nos índices de vacinação durante a pandemia.
Segundo o Unicef, mais de 117 milhões de crianças no mundo podem deixar
de receber a vacina contra o sarampo. As campanhas de vacinação contra a
doença já foram adiadas em pelo menos 24 países. No Brasil, 19 estados
ainda registram a circulação do sarampo, como o Pará, onde 40,9% das
notificações foram confirmadas para a doença.
Obstetras apontam atraso em consultas de pré-natal A pandemia também já
traz impactos na assistência à gestante na avaliação de 64% dos
obstetras ouvidos na pesquisa.
Para a maioria deles (52%), as grávidas estão atrasando o início das
consultas de pré-natal. Um quinto (20%) relata que elas deixaram de ir
ao consultório ou a um posto de saúde nas datas corretas.
O principal motivo, na opinião de 81% dos entrevistados, é o medo da
contaminação pelo coronavírus. Percentual semelhante (82%) relata que as
pacientes têm o mesmo temor em relação aos hospitais.
De acordo com 46% deles, as grávidas não estão conseguindo fazer os
exames de acompanhamento no tempo certo, e 8% dizem que elas deixaram de
realizá-los nesse período.
Grande parte dos profissionais (70%) diz que as gestantes têm medo de
transmitir o vírus para o bebê por meio da corrente sanguínea e de que o
coronavírus cause malformações.
Segundo César Eduardo Fernandes, presidente da Febrasgo, até o momento
não existe nenhuma evidência de que haja transmissão vertical do
coronavírus nem que ele cause defeitos congênitos no feto.
"É uma crença equivocada talvez pela associação que muitas possam fazer
com o vírus da zika, que assolou o país [entre 2015 e 2016] mais do que
qualquer outro do mundo", diz.
Fernandes diz que é preciso desmistificar essas crenças e conscientizar
as gestantes dos riscos que elas e os bebês correm se o pré-natal não
for feito da forma correta.
Ao adiar o início desse acompanhamento, perde-se a oportunidade de
detectar e tratar precocemente doenças como a sífilis, que causa
malformação fetal. "Se eu diagnosticar a sífilis no sexto mês de
gravidez, não tenho mais o que fazer [em relação aos danos causados ao
feto]."
Também há riscos de morte para a gestante e o bebê, além de parto
prematuro, se doenças como a diabetes e a hipertensão não forem
diagnosticadas e tratadas a tempo.
A própria gestação aumenta as chances de complicações na Covid-19, o que
torna o acompanhamento dessas mulheres ainda mais imprescindível.
"A gestante tem uma dinâmica diferente da mulher não grávida. A
assistência ventilatória de uma grávida, caso precise ser intubada, é
muito problemática. O [bebê no] útero dificulta a expansão do diafragma.
É preciso uma equipe muito bem capacitada para atendê-la nessas
condições.".
O Brasil tem registrado alta taxa de mortalidade materna pela Covid-19.
Para Fernandes, os óbitos estão mais relacionados à falta de acesso à
assistência adequada do que à doença em si.
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